Banco Central não tem autonomia em relação ao mercado financeiro

“Selic, neste patamar, penaliza população mais pobre e o desenvolvimento industrial”, alerta presidenta da Contraf-CUT; Comando Nacional dos Bancários está organizando atos contra decisão do BC de manter juros altos

A fala crítica de Lula à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, de manter a taxa básica de juros no patamar elevado de 13,75% ao ano segue repercutindo no mercado e na imprensa. O presidente da República chamou de “vergonha” o percentual que coloca a Selic no seu maior nível desde janeiro de 2017.

“Não podemos continuar com um Banco Central que serve aos interesses dos rentistas do mercado financeiro, dos ricos que usam seus recursos para comprar títulos e viver de especulação”, pondera a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira. “O atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, fez campanha para o governo Bolsonaro e estava em grupos de WhatsApp dos ministros do ex-presidente. Ele continua fazendo a política econômica de Paulo Guedes. Deveria pedir demissão”, completa a dirigente.

Além de manter juros que prejudicam o desempenho da economia, Campos Neto admitiu, em nota oficial divulgada no final de janeiro, erro de cálculo de R$ 14,5 bilhões no mercado de câmbio, entre outubro de 2021 e dezembro de 2022. Essa distorção favorecia o ex-governo Bolsonaro, já que passava ideia de melhora no desempenho do país. “O Banco Central tem que cuidar da inflação e do emprego. Não é função dele cuidar da política fiscal, essa sim, função do governo”, observa Juvandia.

É política

O autor da Lei que concedeu mais autonomia ao Banco Central, senador Plínio Valério (PSDB-AM), reagiu às falas recentes do presidente da República e disse que “ataques” do governante demonstram que a inflação deve “ficar longe da política”. Mas, o que o parlamentar quis dizer com deixar a inflação longe da política, se, em todo o mundo, os rumos da economia definem os rumos da própria política?

Juvandia lembra que a maioria das grandes economias não adota a política de juros altos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa básica de juros costuma não superar 2% ao ano. No bloco europeu, o Banco Central da região dificilmente, também, aumenta a taxa básica para muito além desse patamar”, pontua.

Ela destaca ainda, que, ao longo do governo Bolsonaro, a elevação da Selic, além de ter colaborado para a recessão e desemprego, não foi capaz de conter a inflação. E, apesar de ter furado o teto de gastos em R$ 795 bilhões, o ex-presidente não chegou a ser tão atacado pela imprensa e o mercado, como, atualmente, tem sido Lula.

“O BC tem que ser sim independente, independente dos banqueiros e dos rentistas e não dos interesses do povo. Enquanto o presidente da República propõe uma política econômica para gerar emprego e renda, o Banco Central faz uma política econômica contrária”, conclui a presidenta da Contraf-CUT.

Entenda: taxa de juros altas não reduz inflação

Com a taxa básica de juros nesse patamar, o juro real no Brasil alcança 7,38%, o que mantém o país com o maior nível do mundo, na frente de México (taxa de 5,53%), Chile (4,71%) e Colômbia (3,04%), respectivamente, segundo, terceiro e quarto colocados em ranking que leva em conta juros de 40 países.

Apesar de o regime de metas da inflação ser um instrumento adotado há décadas pelo Brasil para ajudar a conter a inflação e a alta do dólar, os juros em níveis altos tornam o investimento produtivo menos viável e desestimula o consumo, por forçar o aumento das taxas em todo o sistema bancário.

“Isso acontece porque a Selic é um dos componentes que influenciam no custo de crédito no país e, consequentemente, no comportamento dos consumidores e das empresas. Então, no caso de alta da Selic, os efeitos são de retração do consumo e, com isso, espera-se uma queda da inflação. Mas nem toda inflação se deve a consumo elevado. Pelo contrário, a recente inflação brasileira estava relacionada à política de preços dos combustíveis e questões externas como a Guerra da Ucrânia e questões climáticas. A alta da Selic, nesse caso, não é capaz de conter a inflação, mas segue tendo efeitos perversos na economia, no crédito, na renda e no emprego”, explica o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse), Gustavo Carvazan.

Portanto, os juros em alta funcionam como âncora à economia em geral. Enquanto os juros em queda estimulam o aquecimento da economia, porque o crédito fica mais barato, tanto para empresas quanto para os consumidores, o que favorece as vendas das empresas, gerando mais empregos e arrecadação para o Estado.

Interesse de poucos

Você deve estar se perguntando, então, qual é a razão de boa parte do mercado e da grande imprensa reagir negativamente à fala do presidente Lula. A resposta é porque a alta da Selic favorece todas as modalidades de investimentos classificadas como renda fixa, como os títulos públicos. Vale lembrar que os maiores detentores da dívida pública são justamente as instituições financeiras atuantes no país.

“Em outras palavras, a trajetória de juros altos favorece os ganhos especulativos e financeiros pelos banqueiros e pelos ricos, enquanto penaliza a população e o desenvolvimento industrial no país”, destaca o secretário de Assuntos Socioeconômicos da Contraf-CUT, Walcir Previtale. “E isso explica por que o Brasil, apesar de ser um país rico em recursos humanos e naturais, continua tendo a agricultura e pecuária como carros-chefes da economia. Acontece, que nenhum país, historicamente, se tornou desenvolvido sem uma indústria de alto valor agregado como principal fonte econômica”, completa.

Um exemplo prático desse cenário é que, apesar de ter uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo, até hoje o Brasil não foi capaz de desenvolver capacidade industrial suficiente para tornar-se o maior exportador de aço, produzido a partir do ferro, portanto de maior valor agregado. A maior compradora de minério de ferro no Brasil, hoje, é a China, que lidera o ranking dos maiores produtores de aço entre todos os países.

“O BC deve servir aos interesses do povo, à criação e manutenção de emprego. Mas, o que temos observado, é que o Banco Central não tem autonomia em relação ao mercado financeiro, quando pratica juros básicos tão altos. Então, defendemos, sim, um BC com autonomia e que, de verdade, colabore, em suas decisões, para o desenvolvimento do país”, pontua Juvandia.

O Comando Nacional dos Bancários está organizando uma manifestação pela redução da taxa de juros e por mudança na política no Banco Central, e convida a população para aderir aos protestos. Os atos estão programados para a próxima terça (14), em várias localidades do país.

 

 

Fonte: Contraf-CUT